A Tenda das Candidatas junto da Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político e de 140 movimentos sociais e organizações da sociedade civil, assinaram a nota pública que manifesta preocupação com o conteúdo do Novo Código Eleitoral, e demanda que os mecanismos de participação social previstos constitucionalmente sejam respeitados.
Confira a nota pública na íntegra, abaixo:
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 112/2021 que institui o novo Código Eleitoral, cuja relatoria é do Senador Marcelo Castro (PP-PI), embora apresente alguns avanços, contém diversos retrocessos em relação à participação política de mulheres.
É gravíssima a intencionalidade de acabar com a política de cotas para mulheres: em lugar da obrigatoriedade de 30% e 70% de candidaturas de cada “sexo” (sic), o relator propõe a reserva de 30%, e, em caso de os partidos não preencherem as vagas, as mesmas ficarão vazias. Na prática, sabemos que não há partidos com 70% de candidaturas femininas e 30% masculinas, e a obrigatoriedade é o único mecanismo existente para que as mulheres garantam sua participação política em processos eleitorais. Caso aprovado como está, teremos 100% de homens eleitos mesmo antes da eleição, pois os partidos poderão não apresentar candidaturas femininas. Mais grave ainda é a expressão utilizada pelo relator, “candidaturas desnecessárias”, que só serviriam para cumprir a cota. Não está nítido no texto, ainda, como isso poderá impactar as candidaturas de pessoas negras e indígenas.
Outro problema identificado é relativo ao art. 181, que prevê: “Durante a convenção partidária, os dirigentes podem apresentar planejamento específico sobre as ações institucionais de apoio financeiro e político às mulheres selecionadas como candidatas”. A emenda n° 10 tentou alterar a redação para o termo “devem”, o que foi rejeitado pelo Senador Relator. Isso significa que fica a cargo dos partidos definir sobre o apoio financeiro, retirando a obrigatoriedade, legalizando uma prática recorrente dos partidos de não repassar os recursos do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral às mulheres, o que se materializa nas posteriores Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) visando anistiar os partidos quando descumprem a norma. Foi o que ocorreu recentemente com a apresentação da PEC 9/23, que gerou indignação da sociedade de modo geral que entendeu que a aprovação de tal proposta seria uma afronta aos poucos avanços no sentido de maior representatividade feminina nas casas legislativas. Acreditamos que, no sentido contrário, o novo Código Eleitoral deveria apresentar sanções efetivas aos partidos que descumprissem o repasse financeiro às mulheres, pessoas negras e indígenas.
Nos indignamos com o fato lastimável de que o Congresso Nacional se submeta a interpretação fundamentalista e cientificamente equivocada ao ignorar o conceito de gênero, utilizando-se da palavra “sexo”, adotada como termo em todo o texto, para legislar sobre tema tão caro à democracia brasileira. O conceito de gênero é amplamente utilizado na literatura sobre desigualdades entre homens e mulheres, sendo inclusivo também no combate às violações de direitos humanos da população LGBTIAQP+, e está presente nos mais importantes tratados internacionais e standards de gestão de políticas públicas, a exemplo dos Orçamentos Sensíveis a Gênero, da ONU Mulheres (2013).
É preciso notar que as propostas em questão retrocedem em assuntos que já foram amplamente discutidos ao longo dos últimos anos e que consistiam em conquistas importantes para a ainda tão prejudicada participação das mulheres na política. A necessidade de reagir a esses ataques a um sistema político democrático faz com que percamos de vista a importância de avançar nas políticas que garantam uma maior e mais justa representação, não só de gênero, como também de raça. A nossa luta histórica é pela paridade de gênero e de raça.
Registramos que existem outros problemas no texto do PLP 112/23 relatado pelo Senador Marcelo Castro, como a retirada da sanção de abuso de poder no caso de fraude nas cotas femininas. O texto também permite que nas dobradinhas entre candidatas e candidatos ou nos casos em que a mulher seja vice do majoritário, os valores gastos sejam computados como da cota das mulheres o que distorce o cálculo da distribuição em prejuízo às mulheres, sem contar com diversos outros retrocessos que fragilizam a prestação de contas e a transparência relativizando a sanção, reduzem o prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, mantém as comissões provisórias, e vários outros pontos que só reforçam a necessidade de audiências públicas.
Grita fundo para nós a dubiedade que é tratado o enfrentamento do poder religioso nos processos eleitorais. “Igrejas”, com seu poder econômico, simbólico e midiático atuam abertamente nos processos eleitorais sem nenhum tipo de controle e responsabilização. Reafirmamos que o Estado é Laico e que esta prática além de distorcer o jogo democrático, pois é abusiva, fere o princípio da laicidade do Estado.
Salientamos que todas essas modificações estão sendo feitas sem diálogo com a sociedade. O texto do relatório do senador Marcelo Castro tem 162 páginas que incidem em um Código Eleitoral com 898 artigos, e essa robustez implica em tempo para ser processada pela sociedade civil. O PLP foi estruturado sem a realização de sequer uma única consulta pública. Por esse motivo, e considerando que o poder no Brasil ainda é branco, masculino e heteronormativo, demandamos que o Senado Federal realize consultas públicas amplas e inclusivas o quanto antes, uma vez que a aprovação desse PLP 112/23, que tanto impactará a nossa democracia, sem a escuta de diversos setores da sociedade, consistirá em um verdadeiro golpe do Congresso Nacional contra as mulheres na política.
Confira aqui a lista completa de organizações que assinaram a Nota Pública.