Feminino singular de candidato.
1. Que ou quem, só ou opondo-se a outros, concorre ou pretende um cargo, a um lugar, a um prêmio, a um direito, etc;
2. Que ou quem se propõe para um cargo ou posto sujeito a eleição;
3. Que ou quem pretende alguma coisa.
A primeira vez que me candidatei para ocupar algum lugar eu não sabia o significado da palavra candidata, só sabia que era possível ser eu – uma menina negra de 05 anos de idade – a personagem Sininho da peça teatral Peter Pan da minha escola. Ignorar o significado ou quem eram as concorrentes ao cargo, naquela época me protegeu. O imaginário infantil, àquela altura ainda livre das amarras das opressões, foi o que me possibilitou acreditar que eu podia ser quem eu quisesse ser.
Ignorando o plano perfeito do racismo, que é feito para nenhuma pessoa preta “dar certo”, consegui a personagem e de 1994 até 2018, ganhei todas as eleições para as quais me candidatei. De representante de turma até presidente de grêmio estudantil, passando por olimpíadas de matemática até concursos de beleza. Colecionei prêmios, vitórias e medalhas de honra ao mérito. Até hoje me pergunto: mérito para quem? Uma trajetória de exceção para uma menina pobre, negra de pele escura, que desde sempre usou os cabelos crespos e soltos, que morava no pé de um morro no subúrbio do Rio de Janeiro.
A ignorância forjada pela inocência da primeira infância foi dando lugar às estratégias de sobrevivência e enfrentamento ao racismo, tão necessárias para lidar com a perversidade das competições, exposições e explorações as quais fui sendo submetida por aqueles que seguiam se empenhando em frear o meu sucesso.
Ter passado por essas experiências exitosas antes de ter completado 18 anos foi essencial para que aos 30 anos eu sobrevivesse a minha primeira campanha política. Minha primeira candidatura a um cargo eletivo foi também a minha primeira derrota eleitoral da vida, mas as diferenças param por aí. A perversidade me alcançou de diversas formas, assim como na infância, todas elas tipificadas no que identificamos como violência política de gênero e racismo institucional.
Hoje, já eleita vereadora do Rio de Janeiro e com a experiência de ter me candidatado em três campanhas eleitorais para três cargos diferentes, consigo escurecer questões importantes que acho essenciais estarem registradas neste texto:
– Mesmo eleitas, mulheres negras, pobres e periféricas não estão seguras na política;
– Independente de resultados individuais anteriores, o sistema eleitoral brasileiro é feito para inviabilizar o sucesso negro e feminino na política;
– Rede de apoio estruturada e bem articulada é fundamental para garantir a ascensão política de mulheres negras, que na maior parte também são mães;
– A agenda mais disruptiva da democracia é a de combate à sub representação de mulheres negras na política;
– Precisamos celebrar os avanços coletivamente sem abrir mão de pontuar que mesmo com vitórias expressivas, as candidaturas de mulheres negras são historicamente sub financiadas e invisibilizadas no Brasil.
Apesar de todas as dificuldades – de experiências marcadas por isolamento político, sem apoio financeiro e de toda a violência que estamos expostas na vida política e pública – é preciso encontrar formas de esperançar em nossa dororidade para seguirmos disputando espaços, narrativas e representações. Acredito que esse caminho será possível se rompermos com imagens de controle que nos aprisionam no fracasso desde a infância. É necessário refletirmos juntas sobre o papel central que as mulheres negras têm no sustento da cidadania, da democracia e de toda a sociedade.
Pois só a partir de nós, candidatas eleitas ou não, que estamos trabalhando pela manutenção de milhões de famílias, sobretudo das que vivem nas periferias até as muitas que constroem movimentos sociais, que teorizam sobre nossas existências na Academia (ou em outros espaços do saber), será possível garantir um espaço de disputa política seguro e justo para todas, todes e todos.