A Função do Cuidado e o Projeto de Lei 888/2021: Enfrentando a Sub-Representação de Gênero e Raça na Política Institucional Brasileira

É incontestável a sub-representação de mulheres em toda sua diversidade – negra, indígena, quilombola e LGBT+ no Parlamento Brasileiro. Apesar dessa realidade, até pouquíssimo tempo atrás esse não era considerado um problema para aqueles que constroem as regras do jogo eleitoral-partidário. Embora haja, nos últimos anos, algum avanço sobre a eleição de mulheres, os dados reforçam: o Congresso Nacional segue majoritariamente ocupado por homens brancos e ricos. 

Na pesquisa “Combatendo a Sub-Representação de Gênero e Raça na Política (2020-2022): O Impacto do Projeto A Tenda das Candidatas” questiona-se: “Quais são as dificuldades enfrentadas por mulheres, em especial mulheres negras, para disputar a política institucional e conquistar um cargo eletivo?”. Pensar sobre essas dificuldades é um exercício importante, uma vez que é preciso nomeá-las e extraí-las do campo subjetivo para atuar no enfrentamento à sub-representação de gênero e raça, proporcionando assim mudanças radicais na política brasileira. É urgente reinventar o processo eleitoral, sob as perspectivas de mulheres diversas.

A pesquisa realizada em questão mostra que  63,1% das mulheres que buscaram formação para as eleições de 2022 declararam terem sido responsáveis pelo cuidado de outra pessoa. Dentre as mulheres que desenvolveram atividades de cuidado, 60,3% também são mães. Entre essas mulheres, as mulheres negras, mais do que as brancas, foram as principais responsáveis pelas atividades de cuidado durante a pandemia (p. 77). Além disso, todas as mulheres indígenas que se responsabilizaram pelo cuidado de outra pessoa são mães. Assim, “O cuidado se coloca como um fator importante quando falamos da entrada de mulheres na política eleitoral-partidária, sendo tal mudança proposta uma forma de diminuir essa barreira para mulheres na política” ( p.79), o que destaca a necessidade de se reinventar aspectos da política eleitoral-partidária.

Uma dessas reinvenções já está em tramitação, trata-se do Projeto de Lei nº 888/2021, proposto pela Deputada Federal Sâmia Bomfim, que altera a Lei das Eleições e a Lei dos Partidos Políticos, para incluir como despesa dos fundos eleitorais o custeio relacionado à função de cuidado de indivíduos que estejam exclusivamente sob a responsabilidade de mulheres candidatas.

Nas últimas eleições, apenas 32% das candidaturas eram de mulheres e a dificuldade de conciliar a vida política com os cuidados com filhos e família é um dos fatores impeditivos do exercício político pois, ainda que a lei aponte que os cuidados com crianças, idosos e pessoas com deficiência são de responsabilidade de todos (incluindo homens), este é um trabalho delegado majoritariamente à elas. No Brasil, cerca de 85% da função de cuidado é realizada por mulheres, o que impacta todos os aspectos de suas vidas, inclusive o da participação da vida pública e política. 

É brutal a rotina em que mulheres-mães-candidatas e cuidadoras são submetidas para alcançar a desenvoltura de candidatos que não possuem essa função durante os pleitos: organizar a casa pela madrugada, buscar crianças na escola entre uma atividade e outra e levá-las para as atividades de campanha, além de uma série de outras violências que são até mesmo elogiadas, como se fossem uma escolha e não o reflexo de uma sobrecarga construída para impossibilitar mulheres de ocupar estes lugares.

Considerando as diversas desigualdades do processo eleitoral brasileiro, entre elas o subfinanciamento e a violência política de gênero, permitir que as candidatas utilizem os recursos eleitorais para funções de cuidado é uma ação afirmativa inovadora que pode garantir condições para a candidatura de mulheres, que são mães e cuidadoras, nas eleições. Esse é um importante passo para a imaginação e construção de outras possibilidades de futuro e de redemocratização do Brasil com toda a sua multiplicidade.

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